• Posted by : Testarossa terça-feira, 30 de junho de 2020


    Temáticas ou abordagens de assuntos diretamente relacionados ao mundo em que vivemos são aspectos muito discutidos quando se trata da arte. Isso porque esse tipo de coisa normalmente faz parte de uma obra, que pode ter diferentes formas dependendo da forma que é trabalhado, mas principalmente porque cada pessoa tem uma mentalidade, tem suas próprias experiencias de vida e vive a sua própria realidade, o que afeta como esse aspecto será absorvido por cada um. Mas, antes de mais nada, a força da presença da temática ou mensagem de uma obra vai ditar como esse encontro da pessoa com as ideias passadas adiante vai ou não acontecer. Existem obras que só estão ali para entreter, geralmente slice of lifes e comédias. Existem obras que abordam suas temáticas de forma sútil e as deixa como plano de fundo na maior parte do tempo. Existem obras cuja as temáticas são o centro da narrativa e um fator absolutamente crucial para o entendimento da mesma. E, por fim, existem obras como Chikyuu Shoujo Arjuna, ou Earth Maiden Arjuna, que receberá a review da vez aqui no blog.


    Toda essa introdução é para dizer: A temática de Arjuna é a própria representação da obra. Diferente da maioria dos animes lançados até então, tudo no anime é criado em prol do tema. Ao invés de uma obra que aborda um tema, eu diria que é um tema apresentado através de um roteiro. Esse tema é: O meio-ambiente.
    Na trama, Juna é uma adolescente que vive em uma cidade grande e sonha em ver o mar. Ela pratica arco e flecha no colégio, mas não parece ser muito boa nisso, mesmo tendo em mente os passos necessários para alcançar a concentração ideal. Seu amigo mais próximo, Tokio, desde o início já demonstra gostar dela e, para agradá-la, a convence a irem visitar o mar, viajando na moto dele. Entretanto, no percurso eles acabam sofrendo um estranho acidente, onde a Juna infelizmente vêm a óbito. Juna recobra a consciência e nota poder observar seu corpo em um quarto de hospital, percebe ser uma forma de espírito e entende que veio a falecer. Ver a reação de Tokio e, posteriormente, da sua própria mãe, ela entra em desespero, tentando entrar em contato com eles, até que é arrastada para fora do planeta. Lá, ela vê um monstro gigantesco circundando o globo é contatada por Chris, que diz que ela poderá voltar à vida se se tornar a Avatar do Tempo e combater aquelas criaturas, conhecidas como Raajas. Ela obviamente aceita e ganha o poder de se transformar em uma mahou shoujo que é uma representação do herói Arjuna da mitologia hindu, que é uma forte influência na obra. E, a partir daí, a história da obra começa de fato.


    No ponto em que a trama começa, nós já começamos a notar qual rumo o anime seguirá. Em especial, no primeiro contato direto da Juna com um Raaja, onde são mostradas diversas cenas fortes da destruição do planeta, causada por nós, rapidamente. Ali também temos uma pequena amostra de um dos pontos fortes do anime, que é a sua direção. Ainda no primeiro episódio, você já tem uma clara visão de que o anime será bastante ambientalista, principalmente quando você para e nota que, nas imagens linkadas acima, que mostram algumas das coisas que mais assolam nosso planeta, está uma simples imagem de uma cidade. Pensando nisso, é válido o alerta: Arjuna não veio para te passar uma mensagem, mas sim para apontar dedos. Sua abordagem agressiva sob as pautas que defende acaba tornando o anime inconsistente, por vezes estará mostrando coisas que realmente são dignas de se refletir sobre, outras vezes simplesmente estará flertando com uma mentalidade anti-ciência, o que pode incomodar bastante.
    Arjuna é uma obra com um propósito louvável, no entanto, o alvo das suas críticas somos todos nós, sem exceções. É importante pensar bem se está pronto ou não para tomar porrada durante 13 episódios, vale o aviso. Mas é importante também frisar que, o anime, lançado em 2001, é totalmente fruto da sua época. Algumas coisas envelheceram mal (Tipo o CGI), mas ele nunca se propôs a ser algo que você tenha que concordar totalmente, afinal, quem concorda totalmente com o que o anime diz, sequer iria assisti-lo.

    Eu nunca vi um hambúrguer ser tão vilanizado como ele é em Arjuna.

    A protagonista, Juna, desempenha perfeitamente o seu papel na obra. Ela é uma adolescente que subitamente se vê não só como alguém que precisa salvar o mundo, mas vai aos poucos criando uma conexão com o planeta que vai rapidamente mudando sua forma de ver o mundo. Os seres humanos possuem um desejo quase que instintivo de sempre manter o status quo, então se uma pessoa opta por sair desse sistema criado pela sociedade, não só ela será recebida com forte rejeição, como também acabará se vendo isolada do mundo. O anime não peca em nenhum momento em demonstrar isso, ainda que suas mensagens ou ideias possam soar exageradas ou até errôneas, e mostra como os laços que a Juna possuía aos poucos vão sofrendo uma metamorfose que deixavam aquelas relações estranhas. Em certo ponto, por exemplo, vemos a mãe da Juna reclamando de precisar fazer dois pratos de refeições diferentes para suas duas filhas, ou a irmã mais velha da Juna taxando ela de estranha. A garota também passa por poucas e boas, uma vez que é treinada para ser a melhor Avatar do Tempo possível, sendo sujeita a situações muitas vezes extremas. Tal como muitos mahou shoujos por aí, Arjuna conta uma história de amadurecimento da protagonista, além de também mostrar toda uma transformação da personagem. A Juna consegue transparecer com perfeição os conflitos internos gerados por ela ter "tomado a pílula vermelha", por assim dizer, começar a enxergar a sociedade moderna com outros olhos, e, por fazer parte dela, muitas vezes reagir mal a muitas situações.
    A pessoa mais próxima dela, o Tokio, que também é alguém por quem ela nutre sentimentos, funciona muito bem como uma antítese para ela, sendo a figura que vai, na maioria das vezes, colocar a visão, ou a lógica, da sociedade moderna contra a dela, o que obviamente se torna um grande empecilho no relacionamento dos dois. Posteriormente na trama, nós ganhamos uma nova perspectiva sobre o personagem que o torna muito mais interessante, entendendo não só a história dele, mas também como a vida dele é um reflexo da vida de incontáveis outras pessoas da atualidade, e como a solidão e a tecnologia moderna se atraem. Ainda assim, ele também passa por um ótimo crescimento como personagem e sendo ele e a Juna quem mais tem tempo de tela de sobra, torna o anime mais palatável mesmo quando você esteja com dificuldades de aceitar muito do que a obra fala.


    A história, por outro lado, pode deixar a desejar. Digo isso principalmente porque ela não é muito importante, prova disso é que o anime possui um final muito inconclusivo em termos de narrativa, embora definitivamente tenha trabalhado o seu tema até sua completude. Outro ponto que mostra bem isso é o fato do anime às vezes soar meio episódico, muitas vezes parecendo até que tem um ou outro episódio filler ali no meio. Mas isso é só uma impressão que provavelmente você só sentirá se realmente quiser ver um progresso na trama, pois como eu disse lá em cima, o que realmente importa para o anime é a temática, e nisso todos os episódios se conectam sem falhas. É por isso que, para mim, a história ser só uma desculpa para tratar de outro assunto não é um defeito, nem algo que me incomodou em algum momento. Eu, de fato, não tenho muito o que reclamar quando se trata do básico. Não posso dizer o mesmo quando se fala de toda a abordagem que a obra tem com os seus temas, tópico que comentarei agora.

    Essa cena é irritantemente real.

    Antes, eu disse que Arjuna é inconsistente quando se trata da sua temática. Isso significa que há momentos que me fizeram balançar a cabeça, incrédulo. Mas também significa que há momentos que me fizeram ficar impressionado com a qualidade da escrita e a potência das ideias ali tratadas. O fato é que a inconsistência não vem de pontos qualitativos, mas sim de como o que está sendo dito ali conflita com a sua forma de entender o mundo. Meu episódio favorito, por exemplo, é um que dá os holofotes para um professor, infeliz, recém-divorciado, que na verdade tem um amor pela matéria que ensina, mas não pode ensiná-la, de fato, porque as escolas obrigam os professores a ensinarem seus alunos seguindo um determinado padrão específico. O episódio fala não só sobre como o sistema trata os humanos, mas como os humanos aceitam serem tratados pelo sistema desde que torne as coisas mais fáceis. É uma passagem muito forte sobre como nós aceitamos de bom grado tudo que facilite nossas vidas, sem pensar em como isso nos prejudica como individuo.
    Por outro lado, temos todo um episódio dedicado a falar de gravidez e de como os bebês sofrem de terem que nascer "antes da hora natural", sobre como as mulheres grávidas não ouvem a voz dos bebês por causa do barulho da sociedade moderna e de como os hospitais são "ruins, mas salva muita gente né? fazer o quê". No exemplo de "como fazer certo", supostamente não existe dor por parte da mulher, nem choro por parte do bebê. O lado bom é que momentos assim são raros.
    Então, basicamente, temos uma obra extremamente ambientalista, que vai estar sempre ao lado da natureza, não importa o que está sendo discutido. O grande diferencial de Arjuna para outras obras que abordam mal temas complexos é que existe um grande estudo por trás de Arjuna. Há exageros, algumas coisas já datadas ou até um pouco de uma visão puramente pessoal do que é certo e do que é errado, mas, no geral, quem escreveu o roteiro tinha embasamento para falar do assunto. O que eu posso dizer é que, talvez, tenham ido com sede demais ao pote.


    Vendo por um prisma positivo, esse embasamento ajudou bastante na construção dos personagens, e isso reflete diretamente em quem está assistindo ao anime. O Chris, que é a figura mentora da Juna, por exemplo, segue uma filosofia rígida de que as palavras mais atrapalham do que ajudam. Nos dias de hoje esse discurso é muito mais real do que era há quase 20 anos atrás, graças as redes sociais e a facilidade que as pessoas tem de interpretarem muito mal a maioria das coisas que são ditas, mas mesmo assim, muita gente vai se ver frustrada com um personagem que prefere deixar que a Juna entenda as coisas naturalmente, ao invés dele explicar passo a passo como em um tutorial do youtube. Dois episódios abordaram esse assunto, e os dois foram muito interessantes de se refletir sobre. O segundo deles, em especial, abordou com excelência como uma discussão acalorada costuma funcionar. Duas pessoas batendo boca uma com a outra, mas, ao mesmo tempo, nenhuma das duas ouve uma a outra, apenas a si mesma, e isso é uma grande verdade. Episódios como esses também funcionam muito bem graças a direção semi-experimental do anime, que consegue ilustrar a maioria das situações de forma muito funcional e criativa. Acho que para animes desse naipe, ter uma direção nesse estilo é muito favorável, pois permite muitas cenas externarem sua essência de maneira única, como fizeram em um certo ponto, mostrando que a Juna via seu rosto na comida que ela iria comer como forma de visualizar a ideia de que "você é o que você come".

    Nunca imaginei que em algum momento da minha vida eu seria chamado de gado.

    Falando na parte técnica, a animação possui mais altos do que baixos. Na maior parte do tempo costuma ser bem animado, mas o CGI do anime envelheceu muito mal, definitivamente sendo algo que se destaca negativamente toda vez que é usado. Por outro lado, algo que notei de interessante é como os personagens são vivos, em termos de animação, principalmente se você levar em consideração a época em que o anime foi lançado.
    A trilha sonora, em poucas palavras, é fantástica. A incrível Yoko Kanno compôs a trilha sonora do anime e não poupou esforços em fazer um trabalho fascinante e imersivo. A música se encaixa perfeitamente com o anime, além de se conectar muito bem com a mitologia hindu, que é uma referência muito forte no anime, inclusive no nome do mesmo. Existe toda uma atmosfera e um impacto que não existiriam se não tivessem o auxílio da trilha sonora.


    Arjuna foi uma obra que me deixou confuso ao terminá-la. A abordagem incisiva da obra muitas vezes era agressiva com quem assistia, mas sem realmente te dar alternativas que não fossem muito extremas. De certa forma a obra chegou ao maniqueísmo na forma em que colocava a natureza e a sociedade moderna, o que nunca é tão preto e branco assim. Isso empurra a obra muito para uma situação onde ou você abraça totalmente ela ou você a rejeita por completo. Acredito que eu tenha conseguido achar um meio termo, mas ainda assim fico com aquela sensação de que ou eu deveria considerá-la incrível, ou deveria considerá-la fraca. Admito que tendo mais a estar voltado para a primeira opção, pois bem ou mal, os pontos ruins da obra são pontuais, enquanto os bons existem aos montes. Arjuna foi uma experiência bem diferente, e eu não sei dizer realmente se eu recomendo ou não o anime, mas se de alguma forma esse texto servir de auxílio para sua decisão, então para mim já é o bastante. Saraba Da!

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