• Posted by : Testarossa sexta-feira, 3 de julho de 2020


    Quando se trata de mahou shoujo, ou melhor, dos fãs do gênero, existe um apreço pelo estilo narrativo clássico. É claro que ver algo diferente é interessante, muitas vezes podendo ser realmente memorável, mas existe um contexto que torna esse "diferente" não tão antagônico quando se compara ao tradicional. Mahou shoujo começou a ganhar forma nos anos 60, mas já nos anos 70 estavam buscando uma visão única sobre o gênero. Ao longo das décadas, houve uma coexistência entre diferentes estilos de mahou shoujos, de diferentes vertentes narrativas, e que preencheram uma boa parte dos lançamentos que ocorreram do início dos anos 90 até meados dos anos 2000.
    Prétear, escrito por Junichi Sato, uma figura proeminente dentro do gênero, transita entre o tradicional e o diferente. Para quem já é acostumado com o gênero, se sentirá confortável ao assisti-lo, mas ao mesmo tempo, há elementos surpreendentes o suficiente que tornam a obra algo novo também.


    Quando Junichi Sato decidiu criar Prétear, ele buscava o público feminino e queria criar algo baseado em algum conto de fadas. Como pode ver pelo título da obra, o conto de fadas escolhido foi "A Branca de Neve". Lançado bem no início do século 21, para Junichi Sato, histórias com uma protagonista que precisa ser salva pelo "príncipe encantado" já não tinha muito a ver com a sociedade daquela época, e por isso decidiu que Himeno, a protagonista da obra, seria uma garota forte e assertiva. No entanto, isso não significa torná-la menos humana, ou sem emoções, e ele acertou muito bem na caracterização da personagem ao longo da trama.
    Na história, a Himeno é filha de um escritor, sua mãe já falecida, e seu pai já em um novo casamento com uma mulher que também era viúva. De família pobre, ela se vê em um mundo completamente novo quando tem que se mudar para a casa da sua madrasta, que é extremamente rica, com domínio de muito do mercado da cidade onde vivem. A estranheza, porém, não parte só da Himeno, como também das filhas da sua madrasta que agora veem tudo, inclusive elas mesmas, serem chamadas pelo sobrenome do pai da Himeno, ao invés do falecido pai delas. Diferente do conto original, a madrasta da Himeno é uma boa pessoa que realmente quer o bem dela. O mesmo não pode ser dito sobre as novas irmãs da Himeno.
    Sua vida muda completamente ao encontrar os sete Cavaleiros Leafe, rapazes que vieram de um mundo mágico para proteger a Terra de uma grande ameaça, e para isso precisam que a Himeno se torne uma Prétear, uma garota mágica que ganha seus poderes se fundindo com algum dos sete cavaleiros.


    Prétear é bem mahou shoujo, em especial no início, com uma ótima jornada de amadurecimento da Himeno, modelo um pouco episódico na primeira metade do anime, monstro da semana, transformações variadas (Cada fusão com cada Cavaleiro Leafe dá vestimentas e habilidades diferentes para a Himeno) e até mesmo o romance, que era algo bem frequente nos mahou shoujos antigos. Mas ele também é surpreendentemente sombrio quando quer, além de abordar temas bem interessantes. Logo de imediato temos a protagonista tendo que lidar com toda a mudança que veio com o novo casamento do seu pai, desde a situação desagradável na sua nova casa, até a forma que as pessoas de fora olhavam para ela. Apesar de otimista, ela aos poucos vai sentindo que seu lugar no mundo está desaparecendo, seu pai e sua madrasta passam o tempo todo um com o outro ou ocupados, ela não consegue fazer mais do que uma amizade no colégio devido a toda fofoca que fazem dela, nem seu próprio lar é amigável com ela, existe um limite até onde o otimismo pode ir. A solidão é algo muitas vezes pesado até para um adulto, quem dirá para uma adolescente, e qualquer cantinho que traga um conforto para o coração da pessoa pode se tornar algo especial. Quando a Himeno encontra os Cavaleiros Leafe, que pedem a ajuda dela para salvar o mundo, ela vê ali não só uma grande responsabilidade, mas também, e principalmente, pessoas que realmente precisam dela, onde ela é necessária, onde ela é importante para alguém. É algo que eu gostei bastante de ver, a protagonista ter um real motivo emocional para abraçar uma missão, ao invés de ter apenas o motivo moral.


    Mas claro, tudo que falei até agora se refere ao primeiro episódio do anime, e acaba que o buraco é muito mais em baixo. A trama tem algumas reviravoltas impressionantes, outras até previsíveis (Mas não necessariamente ruins), que levam as emoções e o psicológico da Himeno ao extremo. Em certo ponto da obra, a protagonista se vê cara a cara com a grande vilã da história e é diretamente ameaçada de morte. Esse foi o fator determinante que fez a personagem mudar sua perspectiva sobre a situação em que ela estava, quando finalmente entendeu que ela corria risco de vida. O baque emocional é também o que alavanca o desenvolvimento da Himeno, que começa a buscar a verdade sobre ser uma Prétear e toda a história que já havia ocorrido antes dela ser escolhida. Uma das suas novas irmãs, a Mawata, também acaba chamando sua atenção quando ela descobre mais sobre os sentimentos dela e de como ela e a Mawata são similares. Infelizmente, a vida não é tão simples quanto um "sentimos o mesmo, queremos o mesmo, então nos daremos bem", uma vez que a Mawata lidou com a solidão de forma completamente diferente da Himeno e, logo, estabelecer essa conexão se tornou algo difícil. Essas duas personagens, a Himeno e a Mawata, eventualmente se tornam o núcleo do anime, tendo uma forte caracterização e uma profundidade psicológica decente. Às vezes acaba sendo bastante um drama adolescente, algo que você provavelmente se envolveria mais estando na faixa etária das personagens, mas nem por isso deixa de ser algo bem feito.


    Infelizmente, no entanto, todo esse grande trabalho em cima dessas duas personagens acabaram custando caro para o resto do cast, que em sua maioria terminam sub-desenvolvidos ou até mesmo obsoletos na história. Personagens que eram para ter uma relevância maior, como a maioria dos Cavaleiros Leafe, por exemplo, acabam sendo muito desperdiçados. Inevitavelmente isso acaba prejudicando algumas relações que o anime tenta construir, além de alguns desenvolvimentos que ele tenta fazer na sua segunda metade. Já não sendo muito fã de romance, a parte relacionada ao gênero em Prétear me apeteceu muito pouco, e sendo bem presente na obra, acabou dando um impacto negativo notável na minha experiência. Isso, em especial, se reflete no gran finale da obra, que fez de forma bem questionável um encerramento clássico de mahou shoujo ao mesmo tempo que dependia bastante do elemento romance, nem que fosse só como forma de impactar o público. A impressão que ficou, acima de tudo, é que faltou tempo para a obra conseguir se moldar com total sucesso. Talvez se fossem 24 episódios, poderiam ter tornado o projeto algo muito mais memorável. tanto para nós, quanto para o gênero.


    Digo isso porque, previsível ou não, Prétear trouxe consigo uma série de características que muita gente acha que só começou a surgir no gênero recentemente. Quando descobrimos toda a verdade sobre Leafe, os cavaleiros e o que é ser uma Prétear, é notável que essa história é mais ambiciosa do que inicialmente aparenta ser. Claro, você pode argumentar que isso já era um pouco visível uma vez que a obra aborda temáticas como a solidão, a dificuldade de se adaptar a novos ambientes ou o quão complicada pode ser para um filho que ainda não superou a morte do pai/mãe, enquanto seu(ua) pai/mãe já superaram e seguiram a vida. O que realmente faz a diferença é que, a princípio, acompanhamos a história sob a ótica otimista da Himeno, então quando a trama chega no ponto onde esse otimismo desaparece, a atmosfera de Prétear rapidamente se torna mais dramática, sombria e melancólica. De certa forma, a atmosfera acompanha o estado emocional da Himeno, que por sua vez guia a narrativa do anime e por isso que Prétear consegue funcionar muito bem, apesar dos seus defeitos não serem pequenos. Outro ponto importante é que a obra nunca mergulha de cabeça no drama, tendo alguns personagens que servem como bons alívios cômicos presentes ali para equilibrar o tom da narrativa. Dessa forma, o anime não passa do ponto em que deseja estar, tampouco diminui a força do drama que as personagens passam, o que provavelmente vem muito do mérito de alguém que já trabalhou em ambos os tipos de mahou shoujos, tanto os mais cômicos, quanto os mais dramáticos.


    Prétear foi uma experiência com altos e baixos, mas mais altos do que baixos, felizmente. Eu gostei bastante do anime, mas fiquei com aquele sentimento de que poderia ter ido muito além. É visível que o Junichi Sato leva jeito com o gênero, seja para fazer o padrão, seja para fazer algo incomum.
    Toda a produção do anime é bem competente, da animação até a trilha sonora, mas por outro lado, não se destaca o bastante para ser algo memorável, que é basicamente um ótimo resumo do anime como um todo. Vale a pena assisti-lo, sobretudo pelos temas e os plot twists, só não espere algo que vá realmente ser marcante. Ainda assim, não subestime o anime, pois ele tem uma narrativa até que bem elaborada, incluindo foreshadowings que contextualizam muito bem cenas que podem parecer que vieram do nada. Ter não só atenção, mas a compreensão do que está nas entrelinhas é tão vital aqui quanto em qualquer boa obra que use dos mesmos recursos. Se você está em busca especificadamente de um mahou shoujo, eu certamente recomendo Shin Shirayuki-hime Densetsu Prétear. Saraba Da!

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