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- Black★Rock Shooter #03 - A Força da Influência
A primeira metade desse episódio foi como aquele momento em que saímos debaixo d'água para pegar um ar, cheguei até a ser inocente o bastante em achar que o episódio inteiro seria mais tranquilo. Mas é aquela história, é relativamente comum em mahou shoujos usarem um formato de episódio onde metade é slice of life, metade é o "outro lado" do anime. Nesse caso, ter esse momentos leves e cômicos na primeira metade do episódio foi um acerto considerável do roteiro, visto que só bem no início do episódio 1 pudemos ter um pouco de vida cotidiana tranquila das personagens. Depois de todo o drama, a tensão e a ação, que revezavam entre si, parar por algum tempo para respirar e mostrar esse lado contente das garotas ajuda a enriquecer a trama, as personagens e nos permite sentir mais o baque dos dramas que viriam a seguir.
Claro, a primeira metade do episódio não é só diversão. A primeira cena mostra um pouco do mundo da quarta alter ego, que havia invadido a batalha anterior, e mais uma vez a direção de arte e a ideia em si rende muita reflexão. O mundo completamente cinzento, repleto de correntes, é uma sacada simbólica interessante. A alter ego usar um regador que cria essas figuras humanoides que parecem perdidas e assustadas, para então oferecer ajuda, é uma linguagem visual muito forte que meio que até entrega quem, no mundo real, seria essa alter ego. Tanto que achei que seria um mistério revelado mais tarde no anime, mas a segunda metade do episódio praticamente já dá a resposta nas mãos do telespectador.
Além disso, há o estranho comportamento da Yomi que é, de certa forma, compreensível. Sendo alguém que cresceu presa a um relacionamento tóxico com a Kagari, é natural a insegurança que ela demonstra na incerteza da sua amizade com a Mato. Usando da analogia que a própria Mato usou no episódio anterior, a Yomi é como um passarinho que cresceu dentro de uma gaiola. Então, ela parece querer algo mais concreto que só uma simples amizade, algo que ela vê na relação da Mato com a Yuu. Como eu falei lá no episódio 1, uma das emoções mais ligadas com o verde, que é a cor que representa a Yomi, é a inveja. A Yomi inveja o que a Mato tem com a Yuu e se chateia toda vez que a Mato cita a Yuu nas suas conversas. O fato da Mato compartilhar muito mais similaridades com a Yuu do que com ela só piora a situação, até porque muitos de nós já estivemos nessa situação de ter apreço por um amigo(a) que é tão diferente de nós que fica difícil uma aproximação maior, tanto que a tendência é cada um ir para um lado. Por isso que para alguém na situação da Yomi, é compreensível essa opção causar essa insegurança e, consequentemente, essa inveja.
A Mato, por sua vez, demonstra claramente seu desenvolvimento de personagem dos últimos 2 episódios. A Mato do episódio 1 e do episódio 3 possuem posturas diferentes, sobretudo socialmente. Ainda que ela não note o motivo em si, ela percebe que o desconforto da Yomi e tenta oferecer sua ajuda, tal como ela faz com sua veterana do basquete, Kohata, posteriormente. Esse desenvolvimento é refletido na outra realidade, uma vez que a Black Rock Shooter consegue invadir o espaço da alter ego de olhos vermelhos, algo que, ao terminar o episódio, se mostra de grande relevância para o contexto do que acontece na segunda metade do episódio. Quando adolescentes resolvem adolescentiar e tornam público a confissão de amor da Kohata para debocharem da menina, acaba-se criando uma certa definição de lados na narrativa, o que se conecta diretamente com a Black Rock Shooter alcançando a dimensão cinzenta. Para quem suspeitava antes, é praticamente confirmado que a alter ego dessa dimensão, Black Gold Saw, representa a conselheira da escola, Saya Irino.
A influência negativa |
A influência positiva |
Deixando as dicas que o anime já havia dado antes, em determinado ponto do episódio, a Saya já demonstra ser assustadora e anormal. Depois de oferecer ajuda para a Yomi, que rejeitou timidamente, vemos a Saya subitamente imitando a Yomi e sorrindo de forma arrepiante. Ela pegar o álbum de fotos dos alunos, com alguns específicos já marcados, acrescentou ao desconforto da cena. Um adulto em um cargo desses com más intenções é algo assustador, de fato. No caso da Kohata, ela parecia estar lidando bem com o que fizeram com ela até decidir visitar a Saya, que forçou a garota a se sentir muito pior pelo ocorrido. A cena é ótima por conseguir captar a mudança de atmosfera baseada na emoção da Kohata. Em um momento está tudo normal, onde ela explica que não adianta chorar pelo leite derramado, mas a atuação da Saya, que começa a chorar por ela e dizer o quanto ela é uma "coitada" que virou chacota, acaba forçando essa perspectiva de que ela tem que sofrer também, que ela tem que se sentir mal. A cena nos faz entender, visualmente, o impacto negativo da influência da Saya sobre os alunos da escola. Não sabemos as motivações, mas entendemos de que forma as emoções dos alunos podem sair de proporção.
Entendido isso, é muito mais visível como a figura da Saya consegue atingir os alunos. Não é só a personalidade amigável, mas como ela é receptiva com os alunos na sua sala, seu tom de voz ou até mesmo o fato dela usar uma braçadeira com desenhos infantis, criando essa imagem de alguém que os alunos podem se abrir e eles, consequentemente, aceitam o que ela diz por ela ser uma figura de autoridade que supostamente sabe o que está falando. Vimos que todo mundo meio que acaba na sala dela uma hora ou outra, ficando sujeitos a sua influência, mas é interessante notar o papel da Mato nessa história. No primeiro episódio, ela acaba buscando conselhos com a Saya por conta da sua relação com a Yomi e é convencida de que a dor é só algo imaginário e que sempre terá alguém para ajudá-la a suportar essa dor. No episódio 2, a Mato segue à risca o conselho da Saya e se machuca emocionalmente de qualquer forma. Já nesse episódio, a Yuu cita a mesma coisa que a Saya diz no episódio 1 para a Mato, que dessa vez demonstra duvidar das palavras da Saya. Esse questionamento não só mostra que a Mato pode estar fora do alcance da influência da Saya, como também se reflete no fato da Black Rock Shooter conseguir invadir o espaço da Black Gold Saw.
E então temos a Black Gold Saw em questão. Quando a Saya cita que alguém vai ajudar a Mato a suportar sua dor, associamos essa ideia a Black Rock Shooter, no entanto, há de se considerar que, na verdade, a Saya se referia a si mesma. No caso, a própria Saya causaria essa dor nos alunos usando das suas palavras e, então, ela mesma se ofereceria a ajudar. Nesse ponto, nós voltamos lá para o início do episódio, onde vemos a Black Gold Saw regando o chão, de onde seres humanoides saiam e, então, ela oferecia sua mão para eles. O regador seria o ato de alimentar o sofrimento dos alunos, suas emoções negativas, traumas ou o que seja. Os seres humanoides seriam, por sua vez, a manifestação desses sofrimentos, até porque um desses seres tinha o rosto da Kohata. Nesse caso, isso significaria que os alter egos funcionam da mesma forma e, por isso, a morte do alter ego significaria que a pessoa finalmente se libertou desse sofrimento, o deixou para trás e se renovou emocionalmente, o que explicaria a Kagari parecer estar voltando a ser uma pessoa psicologicamente estável após ser morta na outra realidade. Por isso teríamos dois lados opostos. A Saya (Black Gold Saw) é quem está regando esse sofrimento, criando os alter egos. A Mato (Black Rock Shooter) é quem estaria matando os alter egos e, consequentemente, ajudando as suas colegas a superarem a dor. Ou, ao menos, foi a minha leitura desse episódio em específico, visto que ele terminou com a Black Rock Shooter matando o alter ego da Kohata e não sabemos o resultado disso ainda.
Essa cena acima é fantástica por, com simplicidade, conseguir exemplificar o que eu expliquei em dois parágrafos inteiros. Um exemplo de uma boa escrita, conseguir emplacar diálogos curtos, aparentemente comuns, mas que contextualizam toda a temática do episódio com maestria. A Yomi pedir dois cubos de açúcar é uma forma de demonstrar que ela seu emocional não está muito "doce", a Saya entregar um café sem açúcar nenhum é uma forma de mostrar que ela está ali para "amargar" ainda mais o emocional da Yomi. Um outro detalhe excelente desse episódio, só que agora por méritos da linguagem visual, como uma demonstração que o anime é bem completo narrativamente, é que na dimensão da Black Gold Saw, vemos que os alter egos dos alunos agem de formas distintas. Ali estariam demonstrando, de certa forma, a origem do sofrimento dos alunos. Alguns choram sozinhos, outros parecem estar se beijando e/ou abraçando. Sempre deixando meio subentendido que são problemas sociais, problemas de relacionamentos.
Gostaria também de acrescentar um comentário da cena da Yomi finalmente dando uma pulseira azul para a Mato. Incrível que, apesar da Mato ser representada pela cor azul, algumas das emoções mais conectadas com essa cor são a distância e a tristeza, então tem uma mensagem subliminar aí embutida.
Enfim, já falei demais desse episódio, que foi ótimo. O anime continua me surpreendendo positivamente e me deixa sempre ansioso para assistir ao episódio seguinte, que eu só assisto após terminar de escrever a review do episódio anterior que é para não poluir minha perspectiva sobre a obra. Como eu lembrava menos do que imaginava, estou me permitindo teorizar o desenvolver do anime pois é uma atividade que gosto bastante, sobretudo com narrativas mais recheadas de metáforas e simbolismos como essa. Que venha o próximo episódio. Saraba Da!
huke é um artista impressionante, não é à toa que Black Rock Shooter é tão popular. |