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- A Arte Não é Uniforme, Tampouco Somos Nós
Queria divagar um pouco sobre um tópico que vem me chamando a atenção nos últimos anos devido a várias polêmicas envolvendo não só alguns animes ou mangás, mas a arte no geral. Existe um movimento na internet atual que inibe opiniões contrárias, que só aceita opiniões similares e olhe lá. São pessoas que estão presas nas suas bolhas e não querem saber da existência do que existe fora dessa bolha. Há uma série de problemas sociais sérios em que isso pode acarretar, mas como o blog aqui não é de sociologia, mas sim de cultura pop japonesa, meu foco vai ser falar sobre os problemas que isso gera na percepção e consumo da arte em si. Quando uma pessoa se prende nessa ideia de que só a sua opinião importa, já é uma limitação imensa que ela está impondo a si mesma. Mas quando essa pessoa vai a espaços públicos se degladiar com outras por terem opiniões diferentes, aí é onde se tenta impor essa limitação em todo mundo. Essa limitação vai contra não só a natureza da arte, mas a própria essência de nós, seres humanos. Afinal, como o próprio título desse post já diz, a arte não possui uma forma fixa e objetiva, que você pode quantificar e aplicar a uma obra uma perspectiva definitiva e universal. Nessa mesma linha estamos nós, pessoas desse mundo, que estamos sempre em constante mudança, afetada seja pelo amadurecimento natural ou por circunstâncias externas que nos forçam a mudar em algum sentido. Essas duas coisas são muito mais conectadas do que a maioria gosta de reconhecer, sobretudo nos dias de hoje.
Na data em que este post está sendo publicado, foi recém-lançada uma lista dos melhores jogos de todos os tempos que está dando o que falar. Muitos que concordam com o jogo eleito o melhor de todos e muitos que discordam disso estão neste momento brigando entre si. Tal como estavam quando lançaram a lista de melhores animes da década, ano passado. Ou quando a NHK fez uma lista dos 100 melhores animes de todos os tempos. Eu pessoalmente acho esse tipo de lista detestável, tal como os rankings por notas como o do MyAnimeList, é simplesmente ir contra o que é a arte e passar por cima da experiência de milhões de pessoas. Esse tipo de lista, que geralmente só é criada para gerar esse tipo de engajamento mesmo, dá muita margem justamente para quem quer te impedir de ter opinião própria. Estou citando essas listas por terem um alcance comunitário bem grande, mas esse tipo de coisa acontece frequentemente a nível individual. Para quem é ativo em rede social, você sempre vê pessoas usando expressões falaciosas para impor sua opinião como algo incontestável, colocando coisas como "Todo mundo sabe", "É fato que" antes de expor algo completamente subjetivo. Toda experiência é válida, a sua, a minha e até a daquela pessoa que gosta daquela obra que "todo mundo sabe que é ruim, é um fato". Se todos dessem esse primeiro passo ao aceitar isso, boa parte dos problemas já se resolveriam, mas esbarramos em um grande, grande problema: O ego.
Não basta ter a sua experiência própria com uma obra, a pessoa quer que essa experiência seja a única que está correta. Essa mentalidade que cria essa bizarrice que é achar que as qualidades da arte são "científicas", isso é, algo que dá para calcular e chegar em um resultado irrefutável. E claro, quem acredita nisso está sempre do lado certo dessa "ciência", pois aí é só ter sua opinião e afirmar que quem discorda está errado e ponto. Infelizmente importamos lá de fora essa noção esdrúxula de julgar o gosto alheio como bom ou ruim, além de já colocarmos um medidor de credibilidade nas pessoas que é definido a partir do nosso próprio gosto pessoal, o que é uma absoluta demonstração de um grande egocentrismo. Já fui de "muito confiável" para "nada confiável" baseado só nas obras que eu estava elogiando, mas se a pessoa está procurando alguém para dar tapinhas nas suas costas enquanto diz o quão incrível e inquestionável é o seu gosto por entretenimento, não vai ser aqui que ela irá encontrar. Vejo muito destrato com pessoas por considerarem boas obras como Fairy Tail ou Boku no Hero, e veja bem, uso o termo "considerar bom", ao invés de "gostar", propositalmente, pois cabe a cada um ter seus próprios critérios de avaliação. Discordância é natural e o debate é engrandecedor, mas normalmente optam não por seguir seu rumo, mas pelo desrespeito, deboche ou a briga.
A única verdade absoluta na arte é que ela existe muito mais em nós mesmos do que na realidade. A arte é um reflexo de quem a consome, e nós somos metamorfoses ambulantes, por isso ela nunca será uniforme. Duas pessoas podem ter a mesma obra como favorita, mas vão gostar da obra de maneiras diferentes, por motivos diferentes e em contextos diferentes. E está tudo bem em ser assim! No fim das contas, até se limitarmos o escopo de pessoas para apenas nós mesmos, teremos experiências diferentes com a mesma obra se a consumirmos em contextos e épocas diferentes, até um dia ruim pode afetar sua perspectiva de uma obra. Ou você nunca deixou de gostar ou passou a gostar mais de uma obra que você assistiu anos atrás e reasssistiu recentemente? A arte é como um espelho em movimento, ela vai estar sempre refletindo alguma coisa diferente. É por isso que existe esse conceito no cinema de filmes de décadas atrás que foram considerados ruins pela maioria quando foi lançado, mas hoje é considerado bom porque a arte tem dessas. Nem o tempo consegue estagnar a arte, porque um bando de pessoas aleatórias conseguiriam?
Oyasumi Punpun lançou entre 2007 e 2013, já Fortissimo lançou a princípio em 2010, mas só teve o lançamento completo em 2012. Essas duas obras, que eu puxei de memória aqui agora, tem uma coisa em comum, na minha opinião: Suas temáticas conversam muito mais com a atualidade do que conversavam quando lançaram. São só 2 exemplos, mas inúmeras obras passam por isso, e é um exemplo de que mesmo quando não é moldada pelo nosso reflexo, ela pode ser moldada por outras questões externas. Por isso abomino tanto a ideia de querer concretizar uma ideia imutável na arte. O ponto deste texto é: Vamos ser menos "é assim e ponto final" e mais "entendo, mas penso diferente". Se quiser debater, ótimo. Debates saudáveis são ótimos exercícios para a mente e até para o nosso conhecimento. Mas se não quiser debater, tudo bem também! O importante é respeitar a experiência alheia e evitar achar que alguém não tem o direito de achar a obra X melhor que a obra Y. Cada um tem sua leitura de cada obra, só o exercício de refletir sobre ela já está te ajudando muito intelectualmente, tal como a diversão que uma obra proporciona também ajuda muito emocionalmente. É triste ver pessoas tentando invalidar essas experiências. Não espero que um texto qualquer vá fazer todos se respeitarem mais, mas se ao menos servir para oferecer uma perspectiva mais profunda sobre o que é a arte, já me darei por satisfeito. Seria bom também não ser mais confundido com um troll de internet por ter dito que acho um jogo bom haha. Saraba Da!