• Posted by : Testarossa terça-feira, 21 de maio de 2019



    Recentemente eu terminei de ler um dos mangás mais aclamados pelo público ocidental, cuja popularidade foi obtida apenas pelo quão elogiada a obra é, feito que não muitas obras conseguem. Como já viram no título, hoje falarei sobre Oyasumi Punpun e algumas das mensagens que o mangá me passou.

    Aviso: A review conterá alguns spoilers do começo do mangá, o que for spoiler eu deixarei riscado, logo, caso queira ler às cegas (E eu recomendo fazê-lo), pule os textos riscados!

    Slice of Life, Drama, Psicológico e Coming-of-Age, o mangá conta a história de Punpun Onodera em um período de tempo de 10 anos (Da infância ao início da fase adulta, basicamente). Logo de cara você perceberá um dos aspectos mais peculiares (E também mais criativos, na minha opinião) do mangá: O protagonista é uma espécie de pássaro, ou coisa do tipo, tal como sua família. Uma escolha interessante que, dado o conteúdo do mangá, não poderia ser mais eficaz. Talvez por eu ser uma pessoa de imaginação fértil e bastante criatividade, para mim o Punpun foi, de longe, o personagem mais expressivo do mangá. Sua aparência facilitou não só eu entender melhor que tipo de expressões ele fazia em cada situação, mas também a entender melhor como ele realmente estava se sentindo ao longo da história.

    Punpun e a normalidade
    "Sobre o que é o amor, sobre o que eu nem sei quem sou."
    "O que é normal, afinal?" --- Disse um personagem no início do mangá. O que é normal para você? O mangá direta e indiretamente toca no tema enquanto aos poucos descobrimos que Punpun, e sua vida em si, não são convencionais. Em um certo momento, os pais de Punpun começam a discutir e brigar, enquanto o Punpun olha para o céu e deixa, segundo a própria narração, "mais um dia normal" se passar. Punpun tem todas as características de uma criança normal, a princípio, mas ao mesmo tempo, também possui certas características diferentes, para dizer o mínimo. Gosta do pai, não gosta muito da mãe, presencia a mãe ter que ser hospitalizada por causa do pai, vivencia os pais se divorciando. Vendo a história do ponto de vista de uma criança que ainda não entende muito bem como as coisas funcionam limitam nosso entendimento, mas com o avançar da história vemos que as coisas não são bem como pareciam.

    Mesmo sua vida escolar, que a princípio era bem normal, com amigos e amores, acaba tomando um rumo para pior após certos eventos. A chegada da Aiko, ainda no primeiro capítulo, já revela que muito de Oyasumi Punpun gira em torno do amor, e isso não necessariamente será algo bom sempre. Para cada normalidade da vida de Punpun, outras duas anormalidades surgem no caminho. E não muito longe do início do mangá, começamos a notar que o Punpun claramente sofre de depressão, algo que mais para frente fará muito mais sentido, mas que explica muita coisa do personagem, quiça até o porque da sua aparência ser tão distinta dos outros. O mangá trabalha bem a ideia de que a infância é a fase do descobrimento, onde seu lado interior será definido, logo, viver uma vida normal provavelmente resultará em um amadurecimento normal, e viver uma vida anormal provavelmente resultará em um amadurecimento anormal. Por isso, chegando na adolescência e eventualmente na vida adulta do Punpun, que não entrarei em muitos detalhes para não dar spoilers, podemos ver o quanto as coisas da sua infância o levaram para o caminho que ele seguiu, demônios criados em você e que crescem com você, na maioria das vezes sem nem ser sua culpa. Família --- Essa é a palavra chave, uma família presente que possa cuidar da criança direito pode evitar a maior parte dos problemas da mesma, a falta de uma (Não necessariamente no sentido literal), por outro lado, certamente causaria danos graves.
    Ao longo do mangá, você notará que o Asano não se intimida em explorar partes mais profundas do psicológico humano, sendo algo distorcido ou não, mas quase sempre feito de uma maneira bela e única a um estilo bastante autoral, que dificilmente você verá parecido por aí.

    A maioria das obras de slice of life optam pelo lado normal da vida, o que é perfeitamente aceitável, embora entediante para muitos (Não é o meu caso, obviamente). Oyasumi Punpun opta pelo anormal, o que também é perfeitamente aceitável, embora mais difícil para as pessoas de lidarem. As pessoas, em sua maioria normais, sentem maior dificuldade em aceitar o anormal no seu entretenimento, enquanto o normal é mais do seu agrado por ser mais familiar. Ou será que é isso mesmo? Esse pequeno parágrafo foi normal para você? O que é normal, afinal?


    Punpun e a realidade
    "Eu não tinha nada a dizer, e me perdi no nada dentro de mim."
    Em Punpun, somos confrontados por uma realidade árdua e difícil de engolir, ou ao menos essa é a intenção do autor, Inio Asano, ao nos mostrar eventos próximos de uma realidade que muitos podem ter passado. Porém, entra-se aí uma das principais questões, talvez a principal questão, que pode fazer com que você não se conecte ao mangá, que ache-o exagerado, ou mesmo que sofra um impacto emocional tão forte que te force a ter que parar de ler temporariamente pelo seu próprio bem estar. É a velha questão do realismo. Uma das coisas mais incríveis do mangá, tenha sido isso proposital ou não, é que a sua percepção da realidade te permite ver a obra de diferentes ângulos. Como ainda vou falar mais a fundo em um post sobre o assunto que ainda não terminei, não existe só uma realidade certa, cada pessoa tem sua própria realidade. Então é um pouco chato quando vejo, e eu vi aqui e ali após ler algumas opiniões sobre o mangá, pessoas querendo impor sua visão de realidade como certa, principalmente em cima de uma obra como Oyasumi Punpun.

    Conforme os personagens envelhecem e amadurecem, as coisas vão ficando mais complexas. Na verdade, não é "complexa" a palavra certa, mas sim "profunda". As coisas ficam mais profundas, e mais amplas enquanto vemos diferentes realidades sendo exploradas. Uma das coisas que mais me agradou no mangá foi como o autor se dedicou a explorar vários dos personagens secundários, ao invés de focar apenas no Punpun. Isso talvez tenha sido um dos estopins para tornar a obra tão interpretável. Claro, por ter uma boa gama de personagens, alguns acabaram sendo deixados de lado, tendo um desenvolvimento bem básico, ou simplesmente não sendo muito pouco explorados, o que é uma pena, visto o que o autor fez com os vários outros personagens.

    Enfim, o autor nos mostra diferentes realidades que fazem a obra ressoar com você de várias maneiras diferentes. Quando o Asano decide trabalhar algum personagem, ele realmente trabalha o personagem, ao menos no meu caso, eu realmente pude me colocar no lugar de cada um desses personagens, entender suas realidades, suas emoções, e no fim acabar entendendo o lado de cada um deles. Eu gostei bastante de quase todo o cast de personagens, todos que tiveram foco basicamente, e isso não é um feito que qualquer um consegue. Mas, no fim das contas, eu acredito que acaba sendo muito um exercício de empatia também, pois no momento em que você não conseguir se colocar no lugar desses personagens, talvez você acabe simplesmente achando tudo muito chato. 
    Como alguém que sempre teve esse ímpeto de buscar entender o lado dos outros, eu posso dizer que eu criticaria as ações erradas deles sim, mas ao mesmo tempo, defenderia suas motivações. Pois no fim a realidade é isso, multifacetada até mesmo quando falando de realidades individuais de cada pessoa.

    A vida é cheia de conflitos, geralmente não tanto na infância e adolescência, mas quando na vida adulta, acaba sendo inevitável. E eu não falo só de conflitos com outras pessoas, mas também de conflitos consigo mesmo. É natural, uma vez que enquanto seu corpo e mente estão em formação, suas emoções e visão de mundo estão em constante mudança. Uma vez adulto, isso se torna mais sólido, e dependendo da situação em que se encontra, se torna realmente difícil encontrar em si mesmo a energia para mudar novamente. Com isso, quando você não se adapta ao ambiente ao seu redor, você estagna, e lentamente vê sua vida ir embora sem nada ter feito. Chega uma hora que você tem que encarar não só seus próprios demônios, mas também os demônios dos outros, pois tal é o tão falado "convívio social". No entanto, mesmo esses passos ainda são longínquas escadarias para muitas pessoas, e uma pequena subida para outras, como disse: Cada um vive sua própria realidade. Mas nem por isso devemos deixar de olhar para os lados, ou acreditar que a nossa realidade é a única válida.

    Eu sinto que a sociedade mede nossos acertos e erros de maneira desproporcional, como se 100 acertos só pesassem o mesmo que um único erro. Hoje em dia em especial, é tudo muito drástico, 8 ou 80, pessoas jogam o dado de 20 lados como se fossem tirar cara ou coroa. Imagina viver sob a pressão de que você não pode errar, pois acredita que será o fim do mundo? Ironicamente isso só aumentariam suas chances de cometer erros. A maneira que o mangá aborda esse tópico é no ponto, e eu fiquei bem satisfeito em como o autor em nenhum momento se rendeu a uma dualidade desnecessária.

    Punpun e o seguir em frente
    "Vivemos esperando dias melhores, dias de paz, dias a mais."
    Acima de tudo, acredito que das coisas mais importantes que o mangá quis passar adiante, é a de que por mais difícil que a vida pareça, precisamos seguir em frente, contar com os amigos e/ou familiares dispostos a ajudar sempre que for necessário e principalmente sermos nós mesmos.
    O egoísmo também tem um papel importante no seguir em frente, por mais que essa seja uma característica que possa facilmente ser algo negativo, se não formos egoístas não conseguiríamos nem sobreviver, algo também implícito no mangá. Machucar os outros, ser machucado, se machucar para não machucar, machucar para não se machucar, tais coisas são inevitáveis quando se trata de conviver em sociedade.

    Depois de tudo o que eu falei nesse texto, fica evidente que viver não é fácil, embora o quão difícil seja vá variar de pessoa para pessoa, vai ser sempre um caminho provavelmente com longos períodos muito difíceis, mas mais importante, também terão longos períodos felizes e memoráveis. Oyasumi Punpun é uma obra trágica, onde certas coisas simplesmente eram inevitáveis, mas em todo momento eu senti que havia um teor esperançoso por trás. Talvez eu seja uma rara exceção em ter esse tipo de ponto de vista, mas Oyasumi Punpun é, acima de um mangá que conta uma história, uma grande e marcante experiência, e a minha experiência é a de que a vida não é, ou melhor dizendo, pode não ser tão ruim quanto parece. Claro, tal como uma Visual Novel, a vida lhe proporcionará incontáveis escolhas que vão influenciar positivamente ou negativamente o seu futuro, mas veja só, se de fato existe a opção de escolha, ou seja, se não for uma situação simplesmente inevitável, então as coisas podem sim serem bem melhores. Na minha concepção, o mangá tenta nos ensinar "o que não fazer", de certa forma, mas também que caso façamos as escolhas erradas, e soframos muito por isso, ainda assim, enquanto vivermos precisamos seguir em frente.

    Punpun e o boneco Daruma
    "É chato chegar a um objetivo num instante."
    Um simbolismo recorrente na obra é o boneco Daruma e o que os olhos representam. O boneco Daruma é uma tradição bem antiga e popular no Japão, o boneco, que vem com os dois olhos vazios, possuí um processo simples:
    Tenha um objetivo, desejo ou promessa à cumprir. Pinte um dos olhos. Trabalhe em prol disso todos os dias. Quando o sonho for alcançado, você pinta o outro olho.
    A história por trás, pegando emprestado e traduzindo de um outro site, é que os bonecos Daruma são lembretes constantes do que os japoneses chamam de espírito de perseverança. A vida é uma estrada cheia de armadilhas e solavancos. É inevitável que você tropece às vezes.

    Mas cabe a você subir de volta. Depende do seu próprio poder e força de vontade de continuar em movimento. O boneco incorpora um popular provérbio japonês: Nanakorobi yaoki. Que significa "Cair sete vezes, levantar oito."
    Sabendo disso, muita coisa faz mais sentido na obra, não digo mais do que isso para não entregar nenhum grande spoiler, mas definitivamente fará toda diferença saber desse aspecto cultural abordado no mangá. Ao menos para mim, certas cenas tiveram um impacto a mais, quiça um significado a mais, por eu saber que existiam camadas a serem perfuradas em cenas que a principio não diziam muita coisa. Foi um dos motivos que ajudaram a consolidar minha visão geral sobre a obra, acima de tudo.

    Punpun e a conclusão
    "É fácil encontrar o que é errado, difícil é encontrar o que é certo."
    Concluindo, Punpun foi definitivamente uma experiência memorável, com muitas grandes ideias sendo abordadas tanto em grande escala quanto em pequena escala, mas sem dúvidas todas com o devido cuidado. Ela não é uma obra feliz, nem positiva, no entanto, ela pode te ensinar valores positivos através das coisas ruins mostradas que podem ser importantes para que você busque um futuro mais feliz de uma forma ou de outra. Pode ser que seja uma leitura pesada, mas ao mesmo tempo pode se tornar um mangá que abrirá horizontes na sua forma de ver o mundo e talvez cause mudanças importantes em você. Talvez não te impressione muito, ache exagerado ou negativo demais, mas assim é a vida, enquanto muitos sofrem, outros muitos vivem felizes. É importante reconhecer que Oyasumi Punpun cumpre seu papel mostrando certos tristes aspectos da realidade (E alguns felizes também, vá lá), e reconhecer o valor que isso possui, talvez não para você quem sabe, mas para muitos outros sem dúvidas. Isso porque indiscutivelmente o mangá se mantém coerente com suas próprias realidades, transmitidas com maestria por um seleto grupo de personagens, orgânicos o suficiente para que você consiga se identificar com incontáveis situações e diálogos.

    Asano respeita o leitor, deixando que ele sinta suas próprias emoções ao ler Oyasumi Punpun, e que suas experiências de vida e o que constitui a sua existência reajam naturalmente ao que a obra representa, onde certamente o próprio Asano também se inclui nisso enquanto escrevia e desenhava o seu mangá. À frente do seu tempo, Oyasumi Punpun é um mangá que provavelmente continuará atual por muito tempo ainda, e que eu recomendo ser experienciado por todo mundo, independente dos seus gostos, personalidade ou mesmo a vida. A jornada que o mangá proporciona mostrará não só profundos comentários sociais e análises psicológicas, mas também dirá muito sobre você mesmo.
    Não chegou a ser meu mangá favorito, mas provavelmente estaria entre os 10 melhores que eu já li até hoje. Não sei se a review estará satisfatória para os grandes fãs do mangá e do autor, ou se é balela demais para quem não gostou, mas é um texto que eu escrevi com a alma, sem me preocupar com abordagens típicas que a maioria parece seguir, o que para mim é o ideal a se fazer no geral, mas em Oyasumi Punpun em especial isso é ainda mais real. Saraba Da!


    OBS: Os subtítulos de cada seção foi uma ideia que tive no acaso, mas que após um tempo acabei achando muito nada a ver e pensei em tirar haha. Porém, como antes dito, decidi deixar tudo do jeito que saiu conforme escrevia, da maneira mais crua e instintiva.

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