• Posted by : Testarossa domingo, 26 de maio de 2019


    Dia 26 de maio de 2015, segundo o Visual Novel Database, foi a data em que eu finalizei (i.e. quando dei nota) minha Visual Novel favorita, Fortissimo EXS//Akkord:Nachsten Phase. Exatos quatro anos depois, esse texto está sendo publicado como uma comemoração a essa data.
    Para quem desconhece, e não é necessário conhecer para apreciar esse texto, Fortissimo é uma Visual Novel de 2010~2012 que conta a história de um núcleo de personagens que acabam envolvidos em um Battle Royale e precisam lutar para sobreviverem, ou seja, o básico do sub-gênero. Uma definição bem pobre do que a VN representa, realmente, mas mais fácil mudar essa impressão ao longo do texto do que colocar uma sinopse aqui.

    Esse ano eu decidi que escreveria finalmente uma review para minha Visual Novel favorita---outrora eu já havia escrito uma em 2015, mas desta pouco se dava para tirar, então resolvi esquecê-la---para isso, cheguei a rejogá-la por completo e refleti ainda mais sobre a mesma. Eis que surge-me a ideia de realizar um questionário, usando a temática da obra como base, a fim de estudar e explanar aprofundadamente o psicológico dos personagens. Tal questionário não teve um grande número de respostas, claro, mas digo que foi um resultado muito acima do que eu jamais esperaria. Tão bom foi o resultado que acabei mudando meus planos de última hora, e decidi que este texto não seria uma review sobre a obra (Esta que ainda será feita, sim, mas provavelmente postado na Völuspá VNs), mas sim uma análise. Uma análise do funcionamento do psicológico dos personagens e como toda essa temática é abordada dentro da obra.


    Conflito e vida cotidiana---Essas duas coisas revezam entre si dentro da narrativa de Fortissimo, e pode-se dizer que tirando os grandes exageros do sobrenatural da obra, ela reflete quase perfeitamente como se dá a vida das pessoas, entre o dia-a-dia e os conflitos, internos ou não. O ser humano inevitavelmente cria muitas faces para as diferentes situações da vida, em especial situações mais extremas em relação a situações mundanas em que já estejam acostumados. Todos nós somos compostos de "clichês" e características únicas, como tal, sermos superficiais ou profundos muito também depende da situação que vivenciamos e como estamos nos sentindo no momento. Quem nos vê de fora pode nos definir de diversas maneiras de acordo com o que mostramos a elas, sendo nossa aparência e personalidade as coisas superficiais, nossa história, ideais e visão de mundo as coisas profundas, para citar exemplos.
    Fortissimo é uma obra que te convida a conhecer tanto o lado superficial quanto o lado profundo de cada um dos seus personagens (Salvo um ou outro, que deixam a desejar), olhar as coisas pelos olhos deles, para assim você ter uma visão mais ampla do que ele é, e do que ele representa.

    Acima de tudo, Fortissimo te convida a discutir o certo e o errado, o bom e o mau, o justificável e o injustificável. As armadilhas da mente humana são postas em prova, sejam em situações extremas ou não, o quanto o seu psicológico aguentaria se estivesse nos sapatos de cada um dos personagens. O incrível poder da contradição, a subversão de expectativas e como ver as coisas de outro ângulo muda completamente como você pensaria e agiria. Não existe uma perspectiva só, a visão certa das coisas, o que possibilita que o leitor tire suas próprias conclusões.


    Ao longo da história, o psicológico dos personagens está sempre como um elemento inserido na narrativa. Como tal, tanto a ação quanto o slice of life está sempre aprofundando mais e mais na mente de cada um, ainda mais graças as constantes mudanças de perspectivas que a VN dá. As lutas acabam quase sempre como um conflito de ideais, ou começam por esse motivo. Os ideais de cada personagem são peças chaves para o desenvolvimento da história, mas mais importante, são a base em que cada personagem se mantém de pé. Acima de tudo, Fortissimo mostra que a pessoa em quem você deve mais depender é de você mesmo, pois o valor da sua existência é o que vai te manter firme quando não houver mais onde se segurar.

    Em Fortissimo, há uma variedade de personalidades, do mais altruísta ao mais egoísta. Mas ao mesmo tempo, o mais altruísta ainda é egoísta, tal como o mais egoísta ainda é altruísta. As múltiplas faces, de vezes até contraditórias, também revelam as múltiplas camadas de cada personagem, que são trabalhadas de diversas formas dentro da narrativa, podendo começar de um traço de personalidade mais presente e terminar na representação simbólica e metafórica das armas dos personagens---Essas em especial, uma vez que na história a destruição da arma significa também o fim da existência da pessoa, então pode-se dizer que as armas podem ser a última camada da existência do personagem.
    Como tudo de certa forma remete ao psicológico, ideais e história dos personagens, a narrativa em si não poderia ser diferente. Então, como eu disse, mesmo o slice of life faz parte disso.
    No início da obra, ela é bastante normal, em todos os sentidos da palavra. Até mesmo alguns clichês chegam a me incomodar, por não achá-los necessários. Realmente começa como uma obra escolar comum, como era de se esperar. Quando o Battle Royale começa, como se houvesse o virar de uma chave, começamos a ver as coisas de maneira relativamente diferente. Os personagens mudam um pouco o comportamento, ainda assim, escolhem proteger suas vidas cotidianas enquanto buscam encontrar uma forma de saírem daquela situação.
    Conforme o avançar da história, o slice of life da obra vai sofrendo uma sútil metamorfose, onde sentimos diretamente o impacto que o Battle Royale causa nos personagens ao que eles vão chegando a conclusão de que aquilo é inevitável. Existe um amadurecimento invisível onde a realização de que aqueles momentos podem ser os últimos os fazem ficarem tanto mais contemplativos quanto tensos, onde tudo que eles podem fazer é aproveitar o agora e olhar para o antigamente com um ar de nostalgia. Mas no fim isso é menos uma mudança no cotidiano, e mais uma mudança na maneira com que ele é observado.


    A narrativa seguir esse caminho é possível porque, apesar de existir alguém para, em partes, servir esse papel, não existem vilões na história. Em histórias de Battle Royale, normalmente os vilões servem o papel de unificar os heróis, combater o mal em comum. Quando se remove isso, terminamos apenas com vítimas, basicamente. Vítimas culpas. Pessoas que tem que carregar o peso das suas próprias ações, onde o que é certo ou errado pode acabar ficando confuso na sua própria cabeça. Os personagens erram, ações sobre pressão, em situações de desespero ou simplesmente tentando proteger a todo custo a sua base. Eles não seguem um roteiro, falando de maneira figurada, pois como seres humanos estão sucintos a influências externas e internas que podem os induzir ao caminho mais imprevisível. Isso pode ser frustrante para muitos, pois naturalmente esperamos que sigam o caminho que achamos mais interessante, não o que seria mais natural.

    E eu nem digo que isso é necessariamente errado. A obra quer que você questione algumas ações, e admire outras. Da mesma forma que os ideais dos personagens entram em conflito, a obra também quer que os seus ideais entrem em conflito com os ideais dos personagens. A sensação mais incrível não é a de encontrar um excelente personagem com o qual você se identifica, mas sim um excelente personagem que você discorde completamente, mas entenda o porquê dele pensar e agir daquela forma. Ou mais, mostrar rejeição a uma forma de pensar/agir, mas chegar a conclusão que você não tem o direito de julgar o personagem, pois o quão realista e justificável é essa maneira de pensar/agir. É somente quando você entende o quão enraizado muitos dos personagens estão na nossa realidade, tanto na psicologia, quanto até mesmo na filosofia. O maior realismo é aquele que consegue reproduzir as mais diversas realidades, tanto as dos favorecidos, quanto as dos prejudicados, tudo de maneira crível e imparcial. A mente humana é um mistério, uma casa de mil quartos diferentes que levam a outras casas de mil quartos diferentes. E com isso, entra o questionário em cena.


    A fim de estudar mais a fundo o comportamento das pessoas, eu criei o questionário com 30 perguntas inspiradas na obra. Infelizmente por não ser ninguém muito popular, o número de respostas que obtive não foi alto, mas por outro lado, foi um resultado tão positivo que me motivou a tornar esse texto puramente sobre o tópico em questão. De fato, enquanto lia as respostas, eu fiquei fascinado em quão próximo da realidade Fortissimo chegou na execução dos seus personagens em relação ao psicológico e aos ideais. Posso dizer com tranquilidade que eu poderia pegar aleatoriamente 12 das pessoas que responderam ao questionário e jogá-las no lugar dos personagens de Fortissimo, que a história ainda seguiria uma narrativa similar, isso é, "Como esse grupo de pessoas normais reagiria a esse Battle Royale?". Quiça ao ponto de até ter alguma figura antagonística, dependendo da sua moral.

    Felizmente a maioria das respostas foram bem sérias e trabalhadas, o que me deu uma boa perspectiva da visão das pessoas. Interessante que, o questionário sendo anônimo, permitiria que certas situações do próprio questionário fossem reais, por exemplo, há pessoas da qual eu discordo dos pontos de vistas, e uma dessas poderia muito bem ser um amigo meu, o que colocaria nossa relação em uma situação de tensão. Por outro lado, foi interessante ver que personagens que eu vejo as pessoas gostando menos que os outros são justamente uns do que elas mais concordam.
    Contradição, algo realmente interessante de se analisar de perto. O quão fácil é você se contradizer em um espaço de 30 perguntas? Muito curiosamente eu notei que muitos se contradisseram ao responder o questionário, e eu tenho quase certeza que quase ninguém percebeu isso. Exemplo mais óbvio sendo as pessoas que afirmaram que prefeririam não se relacionar com ninguém envolvido no mesmo Battle Royale, mas responder que conseguiriam se relacionar romanticamente ou que conseguiriam confiar em alguém do Battle Royale e vice-versa. Isso provavelmente foi um conflito entre emoção e razão, o que não só é esperado, como é bem abordado na própria Visual Novel.
    O escopo das respostas foi bem variado, embora algumas tenham sido mais unilaterais (Algumas ficando 70% a 30% entre uma resposta e outra), não houve nenhuma que todos tivessem um consenso. Mesmo quando era para escolher entre as pessoas que você mais ama e todo o resto do mundo.
    A pergunta número 15, que deixava você realizar um desejo, variava de pedir a paz e unificação do mundo até pedir por poder ou total conhecimento.


    Pensar que os ideais da personagem mais popular da obra é a que tem o maior percentual de discordância, enquanto os "menos" populares são os que tem os ideais com maior percentual de concordância, é deveras curioso. E acredite, não acho que essa popularidade ficaria diferente mesmo dentre as pessoas que responderam esse questionário ou no caso de se tornar uma (boa) adaptação em anime. É difícil identificar a razão por trás disso, e talvez varie de pessoa para pessoa, mas é um dado interessante de se saber.
    Quando decidi montar o questionário, já sabia que ele seria falho---Sim, falho pois é impossível saber como realmente reagiríamos a certas situações a não ser que já tenhamos passado por elas, e mesmo assim talvez ainda não reagiríamos da maneira que esperaríamos na segunda ou terceira vez. Levei as respostas de forma que fosse uma reflexão de como a pessoa gostaria ou acha que reagiria, mas a mente é imprevisível, e o corpo só obedece a ela, e está tudo bem assim. A utilidade do questionário, acima de tudo, era mostrar que cada ser humano é o seu próprio universo, e isso me foi provado com maestria. Os personagens de Fortissimo em sua maioria respeitam a eles mesmos como seres humanos antes de respeitarem os leitores como peças de entretenimento, o que não quer dizer que não são personagens legais de se acompanhar de um ponto de vista de puro entretenimento, a ação e o slice of life estão aí para cumprir esse papel. Mas é importante ressaltar que seus movimentos são legítimos, quer esses movimentos te agradem ou não, quer sejam eles previsíveis ou não.

    Além disso, tanto o questionário quanto a própria Visual Novel são um lembrete de que não existe só você no mundo. Vivemos em sociedade, e isso só é possível se reconhecermos as diferentes visões de mundo e os possíveis caminhos que levaram as pessoas a terem esses pontos de vista, a única forma de você consolidar sua visão como única é se isolar completamente do mundo e permanecer dentro da sua própria bolha. Caso queira viver, prepare-se, sua visão de mundo e ideais serão confrontados cedo ou tarde, suas atitudes e personalidade não vão agradar a todos, e talvez seja preciso machucar os outros simplesmente por necessidade de sobreviver. As pessoas que responderam o meu questionário não só discordam umas das outras em diferentes pontos, elas podem muito bem discordar do próprio criador do questionário, no caso eu, por alguma questão ali escrita. Ao reconhecer cada diferente realidade existente em cada pessoa e saber conviver com isso, conseguiremos aprender e evoluir, ir mais longe do que antes e ainda mais longe do que depois. Mas lembrem-se, tanto o conflito quanto a convivência são igualmente essenciais. Se fechar em uma bolha é tão errado quanto aceitar o inaceitável para evitar conflitos.


    Fortissimo, como o nome já sugere, muito usa a música como um fator metafórico. Cada personagem toca sua própria melodia, alguns pianíssimo, outros fortíssimo, mas definitivamente diferentes sons que podem ser agradáveis de se ouvir ou não, podem ser empolgantes de se ouvir ou não, podem ser emocionantes de se ouvir ou não, cada um deles no seu próprio canto do palco nesse grande concerto enquanto você, a plateia, os acompanha.
    É catártico e inspirador ver e ouvir os personagens darem voz aos seus próprios espaços da maneira mais humana possível, na situação mais surreal possível, dando peso para sua própria existência sem diminuir ninguém, em pé de igualdade, por mais adversa que a situação pareça. O ser humano tem um potencial ilimitado, e talvez seja exatamente isso que faltam as pessoas reconhecer para dar um passo adiante. Se libertar das amarras que impedem nosso crescimento, e finalmente olhar para o futuro. Enquanto só soubermos conviver ou só soubermos conflitar, ficaremos em um eterno impasse.

    É difícil explicar o quão importante esses personagens foram para mim como pessoa, mas mensagens como dar mais valor a sua família e amigos, dar mais valor a si mesmo, reconhecer que você está tanto certo quanto errado, ter empatia pelos outros, ser mais pacífico e evitar conflitos desnecessários, foram certamente passadas adiante. E a grande beleza disso é que não é a mensagem da obra, Fortissimo, mas sim ensinamentos que você aprende vivenciando a obra junto com cada um desses personagens. Cada uma dessas coisas representa os ideais de cada um deles, e você só sente realmente isso ao se colocar no lugar deles e ver o mundo pelos olhos deles. Eu não preciso concordar com uma visão de mundo para aprender com ela, mas parece que nos dias de hoje não concordar com a visão de mundo de alguém já torna aquela pessoa descartável para você, o que é realmente triste.
    Ao chegar até aqui, eu realmente sinto que eu não falei realmente dos personagens em si, mas sim do que eles representam. E acho que não tem problema terminar assim.
    Nesses 4 anos a única coisa que mudou foi que meu apreço por Fortissimo apenas cresceu mais e mais, principalmente agora após rejogar a obra. Longe de ser perfeita, isso não existe, mas certamente é uma peça musical que eu vou querer ouvir até o fim da vida. Estarei gritando ao mundo minha verdade pessoal, e te convido a gritar a sua também, sempre. Concorde, discorde, mas fale, não invalidarei o seu espaço, e você não invalidará o meu. Enquanto continuarmos assim, certamente chegaremos em algum lugar.

    Queria deixar meus agradecimentos a todos que tiraram um tempo para responder ao questionário, de verdade. Toda a reflexão que levou a este texto só foi possível graças a vocês. E é claro, para todos que estiverem lendo isso agora, meus sinceros agradecimentos também. Saraba Da!

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