• Posted by : Testarossa terça-feira, 16 de julho de 2019


    Realismo - Um termo que começou a aparecer com maior frequência na última década, e que assim como muitos e muitos outros, começou a ter seu sentido despedaçado pelo mal uso das pessoas. Essas mesmas pessoas normalmente são aquelas que se consideram "realistas". Porém, até onde isso é verdade?
    O uso do argumento da obra ser ou não realista se tornou bem comum, e embora eu tenha dito que ele está perdendo o sentido pelo mal uso poucas linhas acima, na verdade não funciona bem assim. Antes de mais nada, me parece que essa é uma noção que eu carrego comigo, mas que a maioria das outras pessoas ainda não se deram conta. Não se deram conta não só de que o argumento está fragilizado, mas também de que ele raramente é usado da forma correta.

    Quando se fala de obras realistas, que tipo de obra lhe vem à mente? Acho que podemos começar daí. Existem grandes chances de que o tipo de obra que vem à sua mente quando pensa nisso seja o motivo desse post estar sendo escrito. No que você pensa quando se trata de realismo? Sofrimento? Tragédia? Grandes conflitos (Tanto externo quanto interno)? O que me deu a ideia de escrever o post foi um tópico criado em um fórum de Visual Novel cujo título era: "Você prefere finais felizes ou finais mais realistas/agridoces?"
    Isso me incomodou em um nível que não dava para simplesmente ficar quieto sem pautar esse assunto, pois a mentalidade que acha normal pensar que tem os finais felizes e os finais realistas está se proliferando em alta velocidade. Esse post vai longe, então vamos com calma.
    Primeiro, eu quero afirmar que isso não existe. Não existe só uma realidade (A trágica), o que não falta no mundo são pessoas que vivem a maior parte da vida felizes e morrem felizes. Mas também não existe só a realidade feliz e a realidade triste, muito pelo contrário, são raríssimos os casos de vidas inteiramente felizes ou inteiramente tristes, a grande maioria absoluta é uma mistura dos dois que pode variar em quantidade de momentos felizes/tristes.
    Estamos em uma época onde se tornou legal sofrer, o que, desnecessário dizer, não é nada legal. Essa romantização do sofrimento já chegou em um nível que se tornou normal sofrer e incomum ser feliz. É até difícil falar disso pois desviaria totalmente do tópico em questão, que é sobre obras fictícias, e viraria todo um texto sobre um dos problemas da sociedade moderna. A questão é que obras mais positivas começam a serem olhadas com desdém, não por serem bem feitas ou mal feitas, nem por preferências pessoais, mas por não serem "realistas" segundo muitas pessoas.

    Mas isso é estranho, vocês não acham? Afinal, se você tem a possibilidade de estar aqui lendo esse post, é muito provável que você viva uma vida comum, talvez feliz, talvez entediante, mas comum. Não é regra, claro, talvez você tenha problemas de saúde, como depressão ou algum problema físico. Talvez você tenha problemas familiares complicados, ou então problemas no trabalho. Talvez você tenha passado por experiências traumáticas no passado, ou até no presente. Mas é importante entender que não existe só uma realidade, cada um vive sua própria realidade. Existem duas vertentes nesse tópico. Pessoas que vivem vidas comuns e rotineiras, quiça felizes, mas acham que tragédia é realismo, o que é contraditório já que seria como dizer que sua própria vida não é "realista". A outra vertente são as pessoas que, de fato, passam ou passaram por grandes dificuldades, mas acham que sua realidade é realismo, o que é uma forma bastante fechada de ver as coisas já que não é difícil encontrar pessoas que vivem realidades completamente opostas. Esse segundo exemplo eu trarei à tona mais pra frente, antes falarei do primeiro exemplo.
    Muitas pessoas associam realismo não ao que vivem/viveram, mas sim a sua visão de mundo, o que é um erro absoluto, na minha opinião. Se for para falar algo assim, que ao menos seja baseado nas suas próprias experiências. Ou então tenha certos tipos de obras como uma preferência, e não como certo ou errado. Esse é o tipo de caso mais complexo e totalmente fora de alcance para alguém como eu poder fazer algo à respeito, mas é bem óbvio que já se tornou uma bola de neve, uma visão de mundo moldada artificialmente. Além da romantização do sofrimento, as notícias se focam quase que completamente em tragédias, alimentando a ideia de que só há tragédia no mundo, afinal, coisas boas jamais dariam tanta audiência ou visualizações, certo? Se torna um ciclo que se mantém eternamente nisso, pessoas só recebem tragédias, pessoas só consomem tragédias. E é nesse ciclo trágico que pensamentos como o de que ser constantemente feliz é falso nasce, afinal, não tem como uma pessoa ser bem feliz, certo? Deve estar escondendo as suas tragédias.

    Voltando ao segundo exemplo. Quando se trata de pessoas que experienciaram dificuldades grandes o bastante para poderem dizer que tiveram uma vida complicada, é um caso mais complexo, bem mais. As experiências são válidas, tanto quanto a realidade que a pessoa vive. Existem inúmeras diferentes realidades, uma para cada pessoa, e todas são, de fato, válidas. Mas é importante entender que da mesma forma que você pode ter uma vida conturbada, outra pessoa pode ter uma vida pacata, e que ambos são igualmente reais.
    Uma questão interessante que vi uma vez, voltando a ficção, é sobre se os romances dos animes são realistas ou não? Como é de se imaginar, 80% das pessoas disseram que não, não eram nem um pouco realistas. E creio que muitos de vocês que estão lendo esse post concordam com esses 80%, tal como imagino que pelo andar do texto até aqui, e o teor do meu comentário sobre essa questão em específico, vocês já devem suspeitar disso, mas eu obviamente faço parte dos poucos que disseram que sim, são realistas, por que não? Eu provavelmente deveria ir cursar advocacia no inferno, de tanto que faço papel de advogado do diabo em tudo quanto é canto.
    A questão aqui é que quem acha que não é simplesmente pela visão de que existe a realidade verdadeira e a realidade falsa, e que a "realidade verdadeira" é sempre a mais negativa. Um casal adolescente em um romance bonitinho claramente não existe, iriam brigar e se separar em três meses, afinal, não é assim com todo mundo? Bem... Não. Grande parte dos romances das obras nipônicas são retratadas através de ideais, não inexistentes ou utópicos, mas sim que são mais e mais desprezados pela sociedade moderna. Por mais irônico que isso possa parecer, o padrão dos animes é fora dos padrões da sociedade, e por isso não é muito bem aceito. Sim, porque o que acontece nos animes de romance, também acontecem na vida real, e eu cansei de ver exemplos por aí não só na minha realidade, mas de relatos de outras pessoas em redes sociais como o Twitter, por exemplo. Não é porque seu primeiro namoro não deu certo, ou que você passou a adolescência sozinho, que isso vai acontecer com todo o mundo. Casais felizes, vivendo o romance ideal deles, sem dúvidas é algo que incomoda muita gente cuja visão de mundo é o que falei mais acima, e como um ritual continuam perpetuando a ideia de que eventualmente vai dar tudo errado para eles e eles vão se separar, porque aparentemente ser feliz já está quase sendo visto como algo errado. Mas novamente, daqui para um longo post sobre os problemas da sociedade moderna é um passo, então paremos por aqui.

    Mas o que exatamente é o argumento do “realismo”, no fim das contas? Se cada pessoa tem sua própria realidade, teoricamente tudo seria realista, certo? Claro que não. É aí que entra contexto, cenário e execução. Por exemplo, uma guerra onde o lado do protagonista vence sem ninguém morrer definitivamente não é realista. Por exemplo, uma pessoa desenvolver um “amor verdadeiro” por outra em um dia de convivência não é realista. Por exemplo, uma pessoa correndo em linha reta não ser atingida por múltiplas armas de fogo atirando na sua direção não é realista.
    Realismo não é só sobre a realidade em que vivemos, mas também sobre o quão crível são as ações dos personagens e acontecimentos da obra, quando é sobre a realidade em que vivemos, é relativo demais para ser argumentado. Um final realista não é um final trágico, nem um final feliz, pode ser qualquer um dos dois e é preciso analisar sob esse ponto de vista, ao invés de achar que ser realista equivale a ser trágico. Acho que esse é o segundo grande ponto desse texto, o primeiro sendo lembrar que cada um vive a vida da sua própria forma, que não existe só uma realidade. Obras fantasiosas podem ser realistas, assim como obras mais “pé no chão” podem não ser nada realistas. Quando eu abri o texto falando do argumento do realismo estar perdendo sentido, era nesse ponto que eu queria chegar, começaram a usar esse argumento para falar de realidade, ao invés de falar do que é real. Talvez seja pedir demais para que as pessoas comecem a analisar contexto, cenário e execução ao invés de só falar o que ela acha que é, mas não custa tentar ao menos trazer à tona essa reflexão, que espero ter acrescentado algo para você. Saraba Da!

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