• Posted by : Testarossa quinta-feira, 29 de outubro de 2020

     


    O quarto episódio de Majo no Tabitabi veio com uma premissa curiosa, um país totalmente em ruínas com exceção do castelo no centro, onde vive uma única residente que é a princesa do país. E eu preciso abrir essa análise já comentando sobre a animação, ou melhor dizendo, sobre os cenários, fotografia e a direção de arte que estavam espetaculares. Uma das principais vantagens nessa transição de livro para animação é que, com uma staff livre, competente e criativa, muita coisa pode ser expandida no escopo visual. Mesmo sendo um país destruído, eles conseguiram criar uma ambientação excelente que realçava um local contemplativo e ampliava a sensação de vazio pela grandiosidade do país. Isso é algo admirável sobretudo em uma obra como essa, que busca apresentar os mais diferentes ambientes, pessoas e situações. O anime consegue transformar o lugar em algo exótico e misterioso, um lugar de destruição onde você não sabe se está pisando na neve ou em cinzas, sem absolutamente nenhum sinal de vida ou barulhos. Ficou realmente incrível.



    Dito isso, o episódio não é sobre mostrar cenários incríveis, mas sim contar uma história que une duas das coisas mais tradicionais da literatura e do teatro: amor trágico e vingança. Na minha visão, para uma história que visava uma grande reviravolta no final, um dos seus erros foi justamente o início do episódio, onde a narração sobre uma história de amor já entrega um pouco do que está por vir. Isso acaba sendo prejudicial para a narrativa que, como vem sendo desde o episódio 1, vai sendo construída para ter uma revelação de impacto no final. E não era um elemento necessário, visto que o decorrer do episódio entregou pistas o bastante para as pessoas descobrirem o twist.

    O episódio fluiu muito bem, depois que a Elaina entra no castelo e conhece a Mirarosé, a história vai se desenrolando de maneira adequada. Os quadros da família real ganhando destaque múltiplas vezes era uma forma inteligente de coagir o telespectador a pensar no que aquilo queria dizer e as revelações sobre a carta e o demônio adicionavam camadas nesse mistério. A relação da Mirarosé com a Elaina já de cara foi muito funcional, pois nos permitiu entender melhor não só a Mirarosé, mas também a própria Elaina. Diferente do episódio anterior, onde o anime deixou subentendido as ações da protagonista, aqui a presença da Mirarosé consegue extrair dela diálogos que explicam bem a mentalidade da Elaina sem precisar recorrer a uma exposição forçada. O episódio explora sutilmente o M.O. da Elaina, isso é, ela se recusando a se colocar em risco e ajudar na batalha contra o demônio, mas aceitando ajudar nas preparações pela hospitalidade da Mirarosé. Claro, no fim ela acabou indo para o campo de batalha, mas acabou só provando que os conselhos da sua mãe eram, de fato, certeiros. Pois no fim, a presença dela nem era necessária, uma vez que a Mirarosé era extremamente forte, e a batalha se encerrou com a grande revelação do episódio, sobre o demônio ser, na verdade, o rei do país.



    Toda a história por trás do país em ruínas se deu por conta de um amor trágico, onde a Mirarosé havia se apaixonado por um cozinheiro do castelo e os dois começaram um relacionamento secreto que precisou ser revelado quando ela engravidou. O rei ordena a tortura e execução do cozinheiro, na frente da princesa, e ainda mata a criança que a Mirarosé teve, tudo isso por conta da posição social do cozinheiro. O episódio trabalha em cima desse tema das classes sociais, onde a nobreza se enxerga como seres superiores em relação as pessoas de classes sociais mais baixas e como a engrenagem desse preconceito funciona. No caso, há sempre uma violência aguardando para ser aplicada na primeira oportunidade por quem está no poder, porque a justiça raramente está do lado certo, mas sim do lado mais influente. E isso, em contrapartida, leva para a segunda parte dessa história, que é a vingança. Para uma pessoa que sofreu injustiças e teve o que lhe era mais valioso tirado dela à força, não é incomum culpar o sistema, o mundo até, e buscar justiça com as próprias mãos. A Mirarosé era a vítima até o momento em que decidiu se vingar do pai, transformando-o no demônio que viria a destruir o país e dizimar a população. Todo o episódio constrói esse ciclo que existe desde sempre, até os dias atuais, onde o primeiríssimo fator que põe essa engrenagem para funcionar é a noção de que pessoas X ou Y são inferiores a você. A vingança, ou a violência, jamais será ou trará algo positivo para quem a executa, muitas vezes pessoas inocentes que nada tinham a ver com a situação acabam sofrendo com isso também.



    No final do episódio, a Elaina nos dá uma perspectiva que torna todo o desfecho muito poético. A vingança da Mirarosé finalmente é concluída e, na manhã seguinte, ela está lá cozinhando novamente. Ao se sentar na mesa, vemos ela dialogar sozinha, olhando para duas das cadeiras da mesa, onde presumidamente estariam sentados seu filho e seu marido, o cozinheiro. Na mente já quebrada dela, ela enxergava aquele mundo onde os dois estariam vivos e todos eles poderiam viver felizes para sempre. A perspectiva que a Elaina nos dá é a de que todo o plano da Mirarosé foi concluído com sucesso, plano esse relacionado com o que falei acima sobre as classes sociais. Ao transformar o rei em um demônio, fazendo ele destruir o país e todos que moravam ali, para no fim executá-lo, a Mirarosé conseguiu tanto se vingar quanto quebrar a barreira social que separava ela do seu marido e filho. Sendo ela a princesa do país, ao destruir tudo e todos, sua posição social se tornou irrelevante, pois o sistema agora já não existe mais. Não há mais pobres e ricos, não há mais realeza, não há mais nada, permitindo assim ela viver a vida que sempre quis. E assim, esse ótimo episódio termina. Um detalhe muito bacana que ilustra o estado de espírito da Mirarosé é as cores da sua roupa, enquanto estava no castelo ela vestia um elegante vestido vermelho, mas quando estava lutando contra o demônio, que era seu pai de quem ela queria se vingar, sua roupa se tornou completamente preta. Por fim, quando ela completou sua vingança e "recomeçou" na sua vida imaginária, mas feliz, com sua família, sua roupa se tornou totalmente branca. É a mesma roupa nos três momentos, mas sua coloração foi usada de forma que enriquecesse a narrativa, para entendermos instintivamente a mente da Mirarosé sem precisar dizer nada. Violência gera mais violência não é uma frase antiga muito popular à toa, no fim das contas. Saraba Da!

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