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Posted by : Testarossa
segunda-feira, 23 de maio de 2022
Após singelos cinco anos desde que escrevi a análise do primeiro livro de Asterisk, que inclusive você pode ler clicando >aqui<, eu decidi que era uma boa hora para analisar o conteúdo do segundo livro. Já faz algum tempo desde que eu reli esse livro, mas tenho confiança que minha memória vai dar conta do recado.
O livro de estreia de Asterisk foi um grande misto de boas ideias com clichês super padronizados do gênero, que acabou sendo bem funcional devido ao bom nível de escrita do Yuu Miyazaki. Sem essa boa escrita, eu duvido que a obra teria se destacado tanto, uma vez que o universo complexo da novel não se encaixaria tão bem na narrativa sem ter um bom escritor por trás. Então, por trás de um desenvolvimento previsível e um fanservice deslocado, havia algumas colocações bem pontuais sobre a construção de mundo e de personagens no volume 1 que serão muito bem aproveitadas aqui nesse segundo livro.
Aviso: O texto conterá spoilers do segundo volume da série. Nada que vá estragar a experiência, mas deixo o alerta mesmo assim.
Nesse volume 2 há a introdução de uma nova heroína, de nome Kirin Toudou, que é uma menina prodígio. O livro ainda segue alguns clichês típicos do gênero, mas é notável, para não dizer divertido, como eles são executados em cena. Por exemplo, o protagonista, Ayato, acaba se esbarrando com a Kirin acidentalmente na virada de um corredor, mas isso só aconteceu porque os dois tinham o reflexo apurado o suficiente para perceber e reagir no último segundo que tinha alguém prestes a dar de cara com eles, e ambos acabam se esquivando na mesma direção e esbarrando um no outro. É um contexto clichê que tem um propósito por trás, pois logo de imediato recebemos informações sobre uma personagem que nem conhecíamos ainda. Eu acredito que melhor do que aquele que tenta fugir do clichê de forma forçada para parecer diferente, é aquele que usa o clichê a seu favor de forma inteligente e/ou única. Em todo caso, também descobrimos cedo que a Kirin é uma menina dócil e bem tímida, retraída, além de um pouco mais nova que o resto do cast de personagens, coisas que fazem parte da personalidade dela, mas também estão todas dentro do contexto da narrativa, algo que aprenderíamos logo em seguida.
Nós eventualmente conhecemos também o tio da Kirin, Kouichirou Toudou, um homem arrogante, agressivo e controlador. Há um momento em que ele simplesmente agride a Kirin com um tapa, na frente de um monte de alunos, incluindo o Ayato, e em uma tentativa de segunda agressão, é impedido pelo protagonista. Nesse ponto, já no começo, a obra abre um leque que você dificilmente veria em obras do tipo. Asterisk não tem medo de entrar em um tópico sensível, principalmente porque tudo que acontece envolvendo tanto a família Toudou quanto os personagens principais, é muito bem contextualizado dentro do próprio universo da obra. A resposta do ato de heroísmo do Ayato acaba sendo o Kouichirou mandando a Kirin duelar contra quem queria defendê-la. Porque claro, esse tipo de situação nunca é tão simples assim. Não é só "ir embora" ou "denunciar", pois geralmente há uma questão física e/ou psicológica que acabam sendo explorados para tentar controlar a pessoa. A Kirin não só é uma Genestella, uma super-humana, como também é um prodígio, então não era uma questão física, uma vez que o Kouichirou era um homem comum. Era uma questão psicológica, que fez a menina seguir as ordens do tio e duelar contra o Ayato. Daí já explica parte da personalidade da garota, que vive em um ambiente familiar tóxico.
E aí que entra a segunda grande surpresa desse livro: Na primeira batalha do Ayato após quebrar o primeiro selo e supostamente virar o "protagonista superpoderoso da obra de escola de magia clichê", ele acaba perdendo. A Kirin simplesmente era superior a ele. A derrota no duelo não foi só uma derrota, mas metaforicamente uma representação de que tentar ser o príncipe no cavalo branco para salvar a princesa em perigo não é o suficiente para tirar alguém de uma situação como essa. Naquele momento o Ayato nada mais era que um ninguém tentando se meter em "assuntos de família" sem ser convidado. Entretanto, dou pontos para a participação da Julis, e para o autor, no pós-duelo.
A personagem aparentar estar incomodada com o Ayato para criar a falsa expectativa de ser um clichê dela com ciúmes dele estar envolvido com outra garota só para quebrar essa ideia revelando a preocupação da Julis com uma possível exposição da fraqueza do Ayato e o total suporte dela para as ações dele, dizendo inclusive que questionaria o caráter dele se ele não tivesse feito nada, só engrandeceu a personagem, que já mostrou ter uma consciência social muito forte desde o primeiro livro. A partir daí, o Ayato e a Kirin começam a se esbarrar outras vezes, o que é curiosamente relacionável, visto que já tive essa experiência, na época de escola, de conhecer alguém e, a partir dali, começar a encontrar essa pessoa com certa frequência. Porque, na verdade, a pessoa sempre esteve lá, mas passou a ser notável quando você a conheceu. E os dois espadachins tinham muito em comum, inclusive rotinas de treinamento e admiração pelas escolas de artes marciais de cada uma das duas famílias. Logo, um cenário ideal para o nascimento de uma amizade bem genuína e compatível. E de maneira ideal, a obra evita que o tópico familiar seja levantado até o momento certo para puxar esse tipo de assunto.
A obra ainda nos mostra mais uma vez como a Kirin é uma espadachim genial, ajudando o Ayato a derrotar uns monstros aleatórios que só farão sentido em volumes futuros, mas que só entram agora como conveniência de roteiro para conduzir a trama para o caminho desejado. Caminho esse que leva a uma cena de fanservice 50% desnecessária, com os dois precisando ficar seminus em um espaço no subsolo por conta dos seus uniformes estarem molhados. E eu digo 70% porque essa exposição corporal permite um nível de intimidade entre os dois em que a Kirin se sente mais livre para contar a sua história. Isso é um fator psicológico real, mas sabemos que o fanservice não tá ali só sob essa justificativa. Enfim, na história da Kirin nós entramos em um ponto crucial da construção de mundo de Asterisk, onde entendemos o quão fundo o autor quer aproveitar a sociedade que ele mesmo criou. Em algum ponto do livro nos é explicado que a agressividade do Kouichirou nada mais é que o preconceito dele com Genestella, o que é um paralelo preciso já que o comportamento dele é muito comum na vida real, e também é gerado por um tipo de preconceito. Esse preconceito de pessoas padrão com os Genestella também é representado em um ponto do primeiro volume, quando a Julis explica um pouco dos torneios e como a sociedade vê aquilo. Para as pessoas padrão os torneios é puro entretenimento, onde eles veem adolescentes lutando entre si e consideram quase como uma atração de parque. Isso porque desumanizam muito os Genestella no universo de Asterisk, e já nesse livro a gente passa a enxergar bastante disso.
Na história da Kirin, descobrimos que o pai dela foi sentenciado com prisão perpétua por ter tirado a vida de um assaltante que pegou a própria Kirin como refém. A menina, que na época tinha menos de 10 anos de idade (Algo entre 6 a 8 anos, provavelmente), entrou em pânico com a situação e para salvá-la, seu pai acabou exagerando na força, já que como um Genestella, ele tinha força sobre-humana. Normalmente isso ainda se qualificaria como autodefesa, mas é aí que mora a pegadinha, pois com o surgimento dos Genestella, a sociedade inevitavelmente criou um preconceito muito forte com a nova raça. A velha história do medo humano daquilo que não compreende e a tendência a achar que seria melhor que aquilo não existisse, mesmo se tratando de seres humanos. Então, a IEF organizou uma nova série de leis para contornar a situação, mas tais leis eram totalmente contra a existência dos Genestella, algo que anda em paralelo a muitas leis que também tivemos aqui na vida real no passado que alimentavam muito vários tipos de preconceitos. Acontece que não existe autodefesa para os Genestella e, em caso de um ataque direto a uma pessoa comum, já se é considerado como um crime hediondo. O pai da Kirin foi condenado como um assassino por tentar defendê-la e isso deu o pontapé inicial para destruir a autoestima da menina. Kouichirou se aproveitou disso para alimentar essa culpa que ela sentia, sempre ressaltando que era culpa dela e que seguir as ordens dele eventualmente permitiria que ela libertasse seu pai através do desejo concedido aos vencedores de qualquer um dos três grandes torneios da série. Inclusive, a ilha, Rikka, foi criada teoricamente para ser um refúgio para os Genestella que querem fugir de uma sociedade majoritariamente preconceituosa, muito embora as intenções da IEF na criação da ilha artificial estejam longe de serem benevolentes.
Nesse ponto do texto eu comecei a me perguntar se eu não estava descritivo demais das cenas da trama, embora eu tenha pulado boa parte do livro, mas há um motivo para eu ter me estendido mais que o normal. O Ayato falhou porque tentou ser o herói da cena, mas depois de estar muito mais íntimo da Kirin, uma nova oportunidade foi criada. Ele estava inserido no convívio social da Kirin e era um grande amigo para ela, então a chave de ouro desse desenvolvimento foi o Ayato ajudar a Kirin a expandir sua perspectiva. Eu achei muito bem pensado e feito, uma vez que inevitavelmente vai também precisar partir da própria pessoa dar esse passo para sair de uma relação abusiva, mas nem sempre isso é possível sem a pessoa ter a quem recorrer. Nesse caso, as autoridades não eram uma opção pela posição social que o Kouichirou tinha, mas ter pessoas próximas de você com quem você pode contar pode ser o caminho. Nem sempre vai dar certo e nem sempre essas opções estarão disponíveis para quem precisa, mas saúdo a obra e o autor por tomar o caminho mais longo e, no fim, deixar que a Kirin tivesse os holofotes do próprio desenvolvimento ao se desvincular do seu tio, finalmente. Foi só quando a Kirin falou diretamente para ele que não iria mais aceitar aquelas humilhações que seus amigos, e aí incluo também, além do Ayato, as demais garotas, Julis, Saya e Claudia, também tomaram as rédeas da situação. Agora a Kirin tinha com quem contar, tinha em quem confiar e conseguiu se livrar do controle psicológico que o Kouichirou forçava nela.
Livre, a Kirin decide duelar novamente contra o Ayato, agora como um duelo amistoso entre amigos. E também achei valioso demais o Ayato sair vitorioso pois ele usou diversos tipos de armas diferentes que pegou emprestado, conseguindo quebrar o distintivo da Kirin ao surpreendê-la usando artes marciais de mãos vazias. No fim, o Ayato admite estar um passo atrás dela quando se trata de luta com espada, mas usa sua experiência e todo o treinamento que ele carrega desde a infância com todo tipo de arma para pegá-la de surpresa e conseguir essa vitória. Uma estratégia que só funcionaria uma vez, mas ele também só precisava vencer uma vez. Definitivamente fechando muito bem um livro que, embora relativamente curto, acabou sendo bem rico em conteúdo significativo.
Quando li o livro pela primeira vez, lá em 2014, ele já fez a obra ser uma novel diferenciada para mim. Mas admito que não chegava nem perto de ter a leitura que tenho hoje daquele conteúdo. Mesmo excluindo essa interpretação mais profunda da trama, os eventos em si ainda eram bem interessantes, então eu realmente fiquei mais empolgado com a obra a partir daí. Nessa releitura, no entanto, vejo que a uma dedicação muito especial na construção da narrativa, algo que será muito característico de uma obra que, no fim das contas, é sobre uma escola de magia e seus três grandes torneios, na maior parte do tempo. Os clichês estão aí, a ação está aí, até o fanservice está aí, embora em menor presença se comparado ao volume 1. Mas no fim das contas, ter clichês não é algo intrinsicamente ruim, as cenas de ação são muito boas e o fanservice é mais um incômodo breve do que um constante. O que sobra é uma ótima construção de mundo, de personagens e de suas relações interpessoais que funcionam dentro de um contexto social que só existe na obra, mas que reflete muito do que vemos no nosso dia-a-dia, que rendeu toda essa análise que você acabou de ler. Honestamente, sabendo o que a obra tem a oferecer nos volumes futuros, o volume 2 talvez nem seja memorável, mas eu certamente tenho um apreço a mais por ele. A trama geral de Asterisk pouco progrediu no livro e algumas conveniências de roteiros acabam sendo chatinhas, mas todo o drama da Kirin e suas nuances foi algo que, para mim, fez a obra subir um pouco de patamar. Não à toa ela é minha personagem favorita da obra, que tem um cast bem rico de personagens. E é isso, espero que a leitura não tenha ficado muito maçante, esse troço ficou muito maior do que eu imaginava, mas realmente o texto todo acabou fluindo bem naturalmente para mim. Nos vemos na análise do volume 3, daqui a mais cinco anos. Saraba Da!